13 de junho de 2011

o conceito dell' arte

Para quem já não é (muito) novo, as reedições de discos, livros e filmes, ou as recuperações arquitectónicas ou artísticas, ou até as breves citações e referencias literárias, despertam sempre o bichinho da memória.

Para quem já não é (muito) novo, a memória é talvez a nossa qualidade mais traiçoeira, porque tão depressa é viva e activa, auxiliando no desenvolvimento das nossas tarefas, como rapidamente se transforma em algo fugaz, residual, deixando-nos - quais ratos - à mercê das vivências imediatas, sem referências, refazendo os mesmos erros, porque não registamos o que aprendemos com eles.

Para quem já não é (muito) novo, lembrar o último trimestre de 1987 é muito estranho.
Nesse curto espaço de tempo, foram editados neste pequeno rectângulo luso 3 referenciais musicais das décadas vindouras:

Os dias da Madredeus, Coisas que Fascinam e Free Pop.

Os primeiros foram provavelmente, a par de Amália Rodrigues, o maior caso de sucesso musical português além-fronteiras, e gozaram durante vários anos do reconhecimento artístico e musical de público e crítica (podemos criticar o modo como tudo terminou, mas uma vez "esvaziados" os projectos artísticos devem terminar, ponto! E não continuar por teimosia de alguém que entende o contrário...).

Os segundos, que davam pelo honroso nome de Mler if Dada, foram a melhor síntese de integração de Arte plástica num projecto musical de que tenho memória - essa coisa traiçoeira - em Portugal.
Assistir em palco à voz de Anabela, quando o seu corpo atravessava pinturas, que eram portas, que eram cenários sem o ser, vendo discos pintados em forma de alvos - e um disco não é um alvo?
O projecto terminou quase como começou, numa urgência musical de abordar todas as variáveis artísticas, desde músicas para Manobras de Maio, Fado, Jazz e Pop-rock. De repente, de tanto abraçar, tudo se esfumou... Mas fizeram dois discos fenomenais.

O último será talvez o caso mais enigmático... Os pop dell'arte ainda existem e continuam a trilhar os caminhos "estranhos" que inauguraram com o tema "querelle" (fantasia de "marinaio" de olhar profundo e navalha em punho, dançando no Cais do Sodré ou em Santos - ou seria Corto Maltese? - Ou seria Fassbinder?), e prosseguiram com este LP.
João Peste, Rafael Toral, Luis San-Payo, Sapo, entre outros, com participações ocasionais de Nuno Rebelo, Sei Miguel, JP Simões, e muitos mais, são estes os nomes ligados a este grupo.
Ver e ouvir João Peste com os seus vinte e poucos anos naqueles idos de 80 dá uma ideia de quanto aquelas mentes fervilhavam de ideias. 

Foram revolucionários para os nossos revolucionários de Abril, que os rejeitaram como se fossem eles reaccionários, e provocaram um dos maiores ruídos de fundo do panorama musical dos finais da década de 80, esses mesmos anos das primeiras maiorias absolutas, com os dinheiros dos fundos comunitários e toda a gente a participar em comícios só para ouvir as bandas contratadas (alguém esquece o Rui Reininho e a Anabela Duarte a gritar "Free Nelson Mandela!..." em pleno rossio?).

A reedição do Free Pop fez-me lembrar esse final de década.
E para provar a estranha e ainda actual modernidade dos Pop dell'Arte, anexo três temas emblemáticos retirados do democrático Youtube.









Não sei quantas regras de direitos de Autor quebrei com este artigo, mas não sei quem foi o autor da capa, das "letras", das músicas, e tenho a certeza absoluta de ter esquecido alguns nomes... Mas este disco merece ser lembrado!

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