Comprei a minha primeira máquina fotográfica há 23 anos.
Alguns dias depois aconteceu o brutal incêndio do chiado, a 25 de Agosto de 1988 - e é tão fácil recordar o Mário Crespo a fazer a reportagem em directo e a dizer que as imagens de televisão deveriam ter cheiro para que todos nunca mais esquecêssemos aquela tragédia.
Por querer fotografar as ruínas carbonizadas numa das noites seguintes, tive o meu primeiro encontro com a gatunagem e a consequente passagem por uma esquadra de polícia a fazer queixa do furto (não perdi a máquina, mas fiquei sem dinheiro) - mas não sei se estas experiências não terão sido mais traumatizantes do que o incêndio propriamente dito.
Assistir in loco ao acto de alinhar cinco ou seis folhas de papel intercaladas com papel químico para cópia para tomar nota da ocorrência, enquanto alguém cujo rosto não vi curtia ruidosamente uma bebedeira num dos compartimentos interiores da esquadra, com um calor sufocante de Agosto em espaços não refrigerados, é suficientemente surrealista por si só, quanto mais após um assalto.
Nestes tempos a polícia nunca, ou quase nunca, fazia perseguições em automóvel, porque os Fiat 131 - que faziam lembrar o do Markku Alen do Rally de Portugal - não andavam nada.
Nestes tempos a polícia usava fardas cinzentas e azuis, porque os uniformes sempre foram pagos pelos próprios e quando surgiu a alteração no fardamento, nem todos puderam comprar as novas fardas de uma só vez.
Nestes tempos ser polícia era estar sujeito a ser agredido ou insultado pela própria polícia, devido às contestações existentes com a criação do sindicato.
Nestes tempos ser polícia era de um enorme louvor e dedicação ao trabalho, porque o estigma social pré-revolução de Abril ainda se mantinha em muitas pessoas - e a polícia era a cara da repressão da ditadura - e as condições de trabalho era miseráveis.
Hoje, vários anos passados, muita coisa mudou. Mas o parágrafo anterior não mudou muito, em particular a última frase...
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